Saber fazer negócio
Quem já não ouviu a frase “este sabe fazer negócio”? Na maioria das vezes, ela ressalta habilidades empreendedoras e negociais que resultam positivamente. Mas até que ponto o saber fazer negócios está relacionado apenas a iniciativas empreendedoras e habilidades de negociação?
A economia empresarial e os dilemas corporativos têm elevado os reflexos morais, sociais, legais e econômicos do negócio ao patamar finalístico, tornando-os tão importantes quanto o lucro. Ao mesmo tempo a sociedade passou a ser definida pelo acrônimo VUCA, que baseado nas expressões da língua inglesa, resume os elementos mais marcantes do momento atual: Vulnerabilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade.
A palavra sustentabilidade aplicada aos negócios se desgarrou do sentido ambiental de sua origem e assumiu conotação mais abrangente, albergando a noção de perenidade, eficiência e conformidade do negócio.
Portanto, já se foi o tempo em que empreender se resumia à iniciativa, proatividade, coragem e oportunidade (o popular “fazer acontecer”).
Atualmente, ser empreendedor exige um arranjo mais complexo e multidisciplinar de competências. Culpar as leis, o governo e o “sistema” pelos problemas de performance, já não convence mais. Tratar conformidade, transparência e segurança juridica como burocracia é irresponsabilidade e ignorância ativa. Todo empreendedor tem o dever de evoluir para a condição do profissionalismo empresarial, onde a decisão de comprar e vender não se resume mais a uma barganha de preço e oportunidade.
Mesmo antes de todo este ambiente econômico e institucional se formatar evidentemente nestes moldes, a Organização das Nações Unidas (ONU) já havia desenvolvido uma pesquisa que concluiu que os melhores empreendedores do mundo possuíam, em sua maioria, características comportamentais que lhes permitiam o sucesso de suas iniciativas.
Este levantamento resultou na seguinte lista de características, a qual é inclusive objeto de um curso comportamental ministrado pelo SEBRAE, denominado Empretec:
- Busca de oportunidades e iniciativa;
- Persistência;
- Correr Riscos Calculados;
- Exigência de Qualidade e Eficiência;
- Comprometimento;
- Busca de Informações;
- Estabelecimento de Metas;
- Planejamento e monitoramento sistêmico;
- Persuasão e rede de contatos;
- Independência e autoconfiança.
O que justifica esta referência na presente abordagem é a presença marcante, dentre as 10 características, de comportamentos que exaltam a necessidade de um compromisso, não apenas com a iniciativa empreendedora, mas sobretudo com um padrão analítico multidisciplinar. Exatamente o que tem sido exigido (e de fato é necessário) como métrica do profissionalismo empresarial dos agentes da economia atual.
Os comportamentos esperados para satisfação desta necessidade podem ser traduzidos na (a) procura e na avaliação de alternativas para tomada de decisões; (b) busca constante pela redução das chances de erro; (c) desenvolvimento de procedimentos para cumprimento de prazos e padrões; (d) autorresponsabilidade sobre fracasso e sucesso, (e) envolvimento pessoal na compreensão do mercado; (f) busca de orientação prévia junto a especialistas; (g) mensuração de resultados através de indicadores; (h) acompanhamento sistêmico por meio de indicadores financeiros para tomada de decisão.
No entanto, o psicólogo e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002, Daniel Kahneman, em entrevista à revista HSM Management (n° 44, de maio e junho de 2004, p. 46 – 50), chama atenção para o fato de que muitos “empresários” tem sua percepção do risco baseada apenas na intuição (emoções, pré-conceitos e afins), fugindo dos padrões racionais de probabilidade e estatística para enfrentamento dos mesmos.
A afirmação vem acompanhada da seguinte constatação pessoal do pesquisador: “O que mais me deixa atônito ao falar com empresários no contexto da análise de decisões é que eles tomam muitas decisões e não mantem nenhum rastreamento delas. Não tentam aprender com os próprios erros: não investem em tentar entender o que fizeram de errado. E isso não é acidental: eles realmente não querem saber o que aconteceu”.
É o tempo, portanto, em que o Direito e suas normas de conformidade devem permear a origem estruturante do negócio, em verdadeira gestão estratégica do risco, sem cópias e usos impróprios de modelos disponibilizados na internet, mas sim em soluções customizadas e dirigidas aos reais interesses em jogo, após a devida due diligence. Pois, não existe mais fartura de recursos e abundância de oportunidades para se desperdiçar com riscos desnecessários e aventureiros. O erro custa muito caro e causa muito dano. Também não existe mais espaço para profissionais especialistas em litígios e em como evitar a lei.
Empreendedores para se tornarem empresários profissionais não precisam se formar contadores ou advogados, mas precisam aprender a tomar decisões conscientes de tais pressupostos existenciais, integrando e compreendendo os negócios e a empresa a partir do conjunto formado entre o Direito, Economia e Administração.