Revisão de contratos bancários, pandemia e lockdown: conheça as alternativas para empresas com débitos bancários
Os efeitos da pandemia do coronavírus também foram sentidos no âmbito dos negócios e relações contratuais de direito privado, além do inegável impacto na macroestrutura socioeconômica do Brasil e do mundo.
As pequenas e médias empresas (PMEs) foram algumas das mais afetadas — segundo a pesquisa “O Impacto da Pandemia do Coronavírus nos Pequenos Negócios”, feita pelo Sebrae e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a queda da receita desses negócios chegou a 70% em abril de 2020, cerca de 2 meses após a confirmação do primeiro caso de COVID-19 no Brasil (26.02.2021).
Com o impacto negativo da pandemia no faturamento empresarial, além de outros gastos imprevistos (como ações trabalhistas oriundas de eventos relacionados à própria pandemia), nem todas as empresas conseguiram cumprir à risca os contratos que firmaram antes da pandemia, sobretudo os empréstimos.
Inclusive, outro efeito da pandemia para as empresas foi a necessidade de acesso a mais crédito. Segundo a pesquisa do Sebrae/FGV, 51% dos gestores acreditavam que a extensão das linhas de crédito deveria ser a principal medida do governo para auxiliar os negócios.
Ainda em março de 2020, o Senado Federal apresentou um projeto para criar um Marco Legal do Reempreendedorismo (Projeto de Lei Complementar n° 33, de 2020). O Marco pretende criar condições especiais de renegociação extrajudicial e judicial, além de simplificar a falência das microempresas e empresas de pequeno porte (ME e EP), e trazer ainda o procedimento da liquidação especial sumária, uma versão especial do procedimento que organiza os bens da pessoa jurídica a fim de pagar o passivo e dividir o saldo líquido restante entre os sócios.
Se aprovado, o projeto de lei deve trazer novas possibilidades para as ME e EP, como acesso a qualquer parcelamento, direito de transacionar, direito a prazos 20% superiores àqueles regularmente concedidos aos demais contribuintes, entre outras.
No entanto, até o momento o projeto não foi aprovado — foi remetido à Câmara dos Deputados em 22/12/2020, e até o momento da publicação deste artigo, em 29/032021, não foi votado.
Enquanto isto, a melhor alternativa para empresas afetadas pela pandemia e que não tiveram sucesso em renegociar débitos bancários diretamente com as instituições financeiras é a revisão judicial dos contratos.
Por meio desse instrumento, as partes do contrato podem discutir as cláusulas contratuais no Judiciário,
a fim de manter o contrato (em vez de rescindi-lo), garantindo a sua continuidade e evitando a responsabilidade civil por quebra de deveres contratuais.
Entretanto, o sucesso em uma ação revisional está condicionada à verificação de alguma das hipóteses previstas em lei.
Não basta querer revisar o contrato, ou passar por uma dificuldade, para conseguir uma revisão das cláusulas.
Inclusive, também não é suficiente invocar a pandemia como argumento para revisar um contrato judicialmente.
O primeiro aspecto que deve ser verificado é a natureza do contrato: se é um contrato sujeito às normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou um contrato regido pelas normas gerais de Direito Civil.
O contrato será de consumo (sujeito ao CDC) quando a empresa contratante for a beneficiária final do produto contratado. São, em geral, os contratos B2C (business to consumer).
A empresa, enquanto consumidora do serviço bancário, tem o direito de obter a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (cláusulas abusivas), ou a revisão de cláusulas que vieram a se tornar excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes. A pandemia do coronavírus pode se encaixar nesta última situação.
Mas se a empresa não for a beneficiária final do produto ou serviço bancário — como nos contratos B2B (business to business) em que a empresa contrata um produto ou serviço como intermediária para transmiti-lo ao consumidor —, as normas do CDC não são aplicáveis.
Nestes casos, a legislação civil traz três teorias justificativas da possibilidade de revisão:
- a teoria da imprevisão;
- a teoria da onerosidade excessiva;
- o caso fortuito ou força maior.
Apesar dos nomes parecidos, cada teoria se aplica a uma situação diferente e tem seus próprios requisitos.
Por exemplo: todas lidam com situações imprevistas, porém, a teoria da imprevisão se aplica às situações que trazem extrema dificuldade para continuar cumprindo o contrato nas condições originais; enquanto a teoria da onerosidade excessiva se refere aos casos em que o cumprimento do contrato traga prejuízo desproporcional a uma das partes. Por fim, o caso fortuito e força maior se refere a casos como desastres naturais, guerras, greves (desde que não sejam greves relacionadas diretamente à parte afetada) etc.
Por fim, é importante destacar que os Tribunais Superiores têm diversas súmulas e jurisprudência favoráveis às empresas e contratantes de produtos e serviços bancários, como a famosa Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, que proíbe a capitalização de juros (a prática conhecida como “juros sobre juros”, ou anatocismo).
Como é possível perceber, existem muitas possibilidades para empresas com débitos bancários buscarem negociação, renegociação e alternativas à quebra de contrato.
É sempre recomendável buscar assessoria jurídica especializada a fim de analisar qual é a melhor alternativa para a empresa, dentre as cabíveis.
O Governo Federal, assim como muitos Estados e Municípios, tem disponibilizado oportunidades na área tributária para postergação de pagamentos e negociação de débitos.
Porém, as empresas também não devem se descuidar com os contratos privados.
Lembramos que, quanto mais cedo a empresa buscar a revisão judicial, maiores são as chances de demonstrar a existência das condições que autorizam a revisão mediante os documentos necessários, e maiores as chances de evitar o acúmulo de juros, multas e outros encargos contratuais.
Este é um artigo de natureza informativa e não substitui uma consulta jurídica.