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Postado em: 28 nov 2022

“PEJOTIZAÇÃO” E TERCEIRIZAÇÃO: a prestação de serviço profissional por via alternativa ao vínculo de emprego

1. A contratação de serviços relativos as atividades de meio e fim de uma empresa é passível de terceirização, independentemente do local de execução, conforme previsto na Lei nº 6.019/1974, com alterações trazidas pela Lei nº 13.429/2017, também conhecida como Lei da Terceirização.

2. Segundo artigo 4º-A dessa lei, “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

3. O parágrafo segundo desse dispositivo, acrescenta e enfatiza que “não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante

4. Referida lei teve sua constitucionalidade declarada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento concluído em 16/06/2020, no qual foram julgadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5685 e 5695).

5. O STF, no ano de 2018, já havia fixado tese com repercussão geral (Tema 725), ao julgar a ADPF 324 e o RE 958252, com o seguinte teor: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

6. Assim, apesar do ativismo da Justiça do Trabalho, restou definitivamente assentado no ordenamento jurídico brasileiro que a contratação de prestação de serviço não é monopólio ou exclusividade da relação de emprego, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), podendo ser objeto empresarial de pessoa jurídica constituída para prestação de serviços à terceiros.

7. Nota-se, portanto, que a ausência de caracterização de vínculo empregatício decorre de preceito legal, específico e posterior, por isso independente dos requisitos insculpidos nos artigos 2º e 3º da CLT.

8. Sendo assim, a contratação mediante empresa de prestação de serviços passou a se sujeitar à disciplina do direito empresarial, em especial às normas que regulam a atividade econômica, na medida em que o serviço, quando empreendido mediante pessoa jurídica constituída para tal fim, passa ao largo da acepção jurídica do trabalho e encontra guarida na tutela constitucional da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica.

9. Isto fica evidente na Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), quando estabelece que suas disposições deverão ser observadas “na aplicação na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente

10. Neste novo paradigma jurídico e na dinâmica econômico-social que lhe deu causa, o profissional detentor de conhecimento e expertise específicos possui a liberdade e o direito (essencial para o desenvolvimento econômico e o crescimento do País – vide art. 3º da Lei da Liberdade Econômica) de empreender seu particular know-how empresarialmente, mediante constituição de pessoa jurídica, gozando, para tanto, de presunção de boa-fé e da garantia de que seus negócios jurídicos empresariais serão interpretados como fruto de sua autonomia da vontade.

11. Por força disto, resta afastada a possibilidade de aplicação oficiosa do artigo 9º da CLT sobre qualquer contrato de prestação de serviços firmado entre empresas, até mesmo por força dos artigos 113 e 421-A do Código Civil, que passam a reger a interpretação desses negócios jurídicos empresariais de prestação de serviço. Perde espaço a cogência jus-laboral e ganha destaque a preponderância do sentido que for confirmado pelo comportamento das partes e/ou pela correspondência aos usos e costumes, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo do negócio, dentro outros.

12. Tal leitura jurídica do fenômeno econômico das terceirizações na prática do mercado não ficou de fora, nem mesmo, do Novo Direito do Trabalho, inaugurado pelo marco legislativo da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), pois o parágrafo único, incluído ao artigo 444 da CLT, reconhece, até mesmo dentro do contrato de emprego, a autonomia da vontade do profissional (tido como hipersuficienteque possui diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior ao dobro do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

13. Na mesma toada, o artigo 507-A da nova CLT estabeleceu a possibilidade de pactuação de cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa, o que possibilita que as controvérsias oriundas destes contratos de emprego não sejam submetidas à Justiça do Trabalho.

14. Tais dispositivos legais, embora limitem-se à relação empregatícia, deixam claro a coerência sistêmica da idéia central do entendimento exarado neste parecer, qual seja: o profissional detentor de conhecimento e expertise específicos possui a liberdade e o direito de empreender seu particular know-how empresarialmente, mediante constituição de pessoa jurídica, gozando, para tanto, de presunção de boa-fé e da garantia de que seus negócios jurídicos empresariais serão interpretados como fruto de sua autonomia da vontade.

15. Neste contexto, o debate sobre eventual risco trabalhista relativo à pessoalidade e subordinação carece de pertinência, pois o que se contrata é a expertise profissional que constitui o objeto empresarial da pessoa jurídica, a ela conferido pela atuação de seu titular, sócio(s) ou empregado(s). Esta é justamente a razão de ser da declaração legal de inexistência de vínculo empregatício, inicialmente destacada neste estudo.

16. Inclusive, em reforço a tal modalidade de contratação, típica de uma sociedade e Estado cuja economia se desenvolve a partir da empresa, o atual direito societário brasileiro consagra uma forma de constituição unipessoal de personalidade jurídica, a saber, a sociedade limitada unipessoal (artigo 1.052 do Código Civil, com parágrafos incluídos pela Lei 13.874/2019).

17. Portanto, é uma tendência natural do desenvolvimento do mercado e das relações empresariais que o profissional hipersuficiente deixe de prestar serviços sob a via estreita do vínculo de emprego e passe a fazê-lo mediante contrato firmado por meio de pessoa jurídica, titular de empresa que explora economicamente a especialização do particular know-how do profissional que a instituiu, até mesmo porque esta é uma conveniente forma de organização tributária e de planejamento patrimonial deste profissional titular.

18. A Primeira Turma do STF, inclusive, possui precedentes (Rcl 39.351, Rcl 53.899 e Rcl 47.843) favoráveis ao entendimento defendido na presente análise por admitir como lícita e válida a contratação de serviços profissionais mediante pessoa jurídica, o que vulgarmente e na prática comercial tem se denominado “pejotização”. Dois destes precedentes favoráveis dizem respeito à contratação de médicos. Um deles versa, inclusive, sobre uma contratação realizada por instituição filantrópica e confessional (Santa Casa de Bom Jardim – RJ).

19. Finalizando esta compreensão de viabilidade é altamente recomendável que na prática desta modalidade de contratação empresarial seja inserida cláusula compromissória arbitral. Pois, o típico litígio deduzido perante a justiça laboral, em forma de reclamatória trabalhista, não pode ser alternativa à pessoa física (hipersuficiente), titular e beneficiária da entidade empresarial que presta serviços de forma profissional.

20. Não é licito, nem moralmente correto, que tal profissional se beneficie das lógicas jurídica e econômica típicas da natureza contratual empresarial, durante a vigência do contrato de prestação de serviços, e após sua rescisão, ou diante de algum conflito, valha-se da via do processo trabalhista e das presunções (que são típicas nesta especialização judicial) para atrair em seu favor as repercussões legais próprias do vínculo de emprego.

21. Neste contexto, e com vistas a evitar o locupletamento indevido decorrente da sobreposição destes regimes jurídicos (o empresarial e o empregatício), é recomendável que os titulares de empresas prestadoras de serviço também sejam especificamente abrangidos pela cláusula compromissória de arbitragem presente nos contratos firmados com as entidades empresariais das quais participem, seja como sócios, administradores ou titulares. Até porque, em linha com o artigo 507-A da nova CLT, isto não seria proibido, caso fossem empregados contratados sob o vínculo de emprego.

22. Devidamente situado o espectro jurídico de existência válida e regular desta relação empresarial de serviço, cumpre enfatizar que a Lei de Terceirização estabeleceu critérios para a configuração de tal modalidade de contratação, dentre as quais cabe destacar:

a) Prova da inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ);

b) Registro na Junta Comercial;

c) Capital social minimo, compatível com o número de empregados da prestadora;

d) Vedação à contratante da utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que forem objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços;

e) Proibição de figurar como contratada, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.

23. Respeitados tais requisitos, qualquer serviço pode ser terceirizado empresarialmente inclusive, mas não se limitando, à atividades de apoio, gestão, assessoria, consultoria, orientação e assistência.

24. Há inclusive na Classificação Nacional de Atividades Econômicas subclasses específicas que compreendem as variações de tais serviços, cuja pertinência deve ser sempre observada, conforme preconiza a Lei de Terceirização.

25. Este é um artigo de natureza informativa. Detalhes e variáveis próprios do caso concreto devem ser ponderados com cautela, especialmente diante dos riscos jurídicos e processuais envolvidos, para o que nos colocamos à disposição.

 

SBC ADVOGADOS 1

Emanoel Theodoro Salloum Silva 2

OAB/PR 41.626


1. O Escritório – Salloum, Becker e Camargo – Advogados (sbc.adv.br)

2. Emanoel Theodoro Salloum Silva – Salloum, Becker e Camargo – Advogados (sbc.adv.br)

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