NOVAS REGRAS PARA O COMÉRCIO NO TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS A PARTIR DE 1º/07/2025: ASPECTOS GERAIS E ESPECIFICIDADES APLICÁVEIS AO COMÉRCIO DE CURITIBA.
O Ministério do Trabalho e Emprego (M.T.E) prorrogou para 1º de julho de 2025 o início da vigência da Portaria nº 3.665/2023.
Tal norma, ao revogar trechos do Anexo IX da Portaria nº 671/2021, cancela para segmento do comércio a autorização permanente para trabalho em domingos e feriados.
A razão desta mudança é reestabelecer para o comércio o previsto em lei específica e antecedente, conforme preveem os artigos 6º e 6º-A da Lei nº 10.101/2000 (com redação estabelecida pela Lei nº 11.603/2007), que dispõem, respectivamente, como segue:
- no comércio em geral fica autorizado o trabalho em domingos, devendo ser observadas as regras de funcionamento impostas pela lei municipal, bem como eventuais regras adicionais a serem estipuladas em negociação coletiva;
- no comércio em geral o trabalho em feriados poderá ocorrer desde que previamente autorizado em convenção coletiva do trabalho, também observando-se as regras de funcionamento impostas pela lei municipal.
Verifica-se que a Portaria nº 3.665/2023 não cria regras novas, mas se valendo do que já dispunham os artigos 6º e 6º-A da Lei nº 10.101/2000 revoga, apenas para o comércio, a autorização permanente de trabalho aos domingos e feriados, a qual havia sido concedido pelo M.T.E por intermédio da Portaria nº 671/2021.
Portanto, para plena compreensão do tema e correta aplicação da lei, é necessário compreender o que segue:
- O que dispõem as leis sobre autorização de trabalho em domingos e feriados no Brasil?
- Qual o limite da competência do M.T.E sobre autorização do trabalho em domingos e feriados?
Visão Geral e Integrada da Legislação Aplicável
A CLT e a Lei nº 605/1949 autorizam, em âmbito nacional, como exceção e sob determinadas condições, o trabalho em domingos e feriados, conferindo ainda ao Ministério do Trabalho e Emprego a competência para expedir instruções correlatas.
É do município a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive regras de funcionamento de estabelecimentos empresariais, segundo critérios urbanísticos (art. 30, I, CF).
Por isso, o art. 69 da CLT¹ dispõe que o município ao regulamentar o funcionamento das atividades deverá manter harmonia com os preceitos sobre duração do trabalho, bem como com as instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho para cumprimento deste preceitos.
Por sua vez, a Lei nº 605/1949, em seu artigo 10, parágrafo único, permite que o Poder Executivo (no caso M.T.E) estabeleça critérios de verificação das exigências técnicas que autorizam o trabalho em feriados, levando em consideração para tanto exigências de ordem econômica e peculiaridades locais.
Já os artigo 67 e 68 da CLT estabelecem que o descanso semanal remunerado deverá sempre que possível coincidir com o domingo, salvo nos casos em que o trabalho neste dia decorrer de “motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço”, hipóteses em que o trabalho poderá ser autorizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
O artigo 70 da CLT, por sua vez, proíbe o trabalho em feriados, mas excetua com permissão subordinada às mesmas condições em que for autorizado o trabalho em domingos.
A Lei nº 605/1949, no mesmo sentido, proíbe o trabalho aos domingos, mas excetua os casos em que “a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas”, especificando que “na verificação das exigências técnicas (…) ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais” e ainda estabelecendo que o Poder Executivo “em decreto especial ou no regulamento que expedir para fiel execução desta lei, definirá as mesmas exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas, ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes”.
Também não deve ser ignorado que a CLT em seu artigo 61 possibilita que o trabalho exceda aos limites legais e convencionais em determinadas situações, decorrentes de “necessidade imperiosa” e “força maior”, ou ainda para “atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto”.
Portanto, fica claro que o sistema normativo trabalhista não veda por completo o trabalho em domingos e feriados, concedendo ao Ministério do Trabalho (M.T.E) mera prerrogativa de regulamentação apenas das condições, já previamente dispostas em lei e que autorizam o trabalho nestes dias. Tal prerrogativa do M.T.E não se sobrepõe à competência legislativa municipal.
Ocorre que, o ordenamento jurídico brasileiro a partir de 2019 passou a contar com norma orientadora e integradora, que preencheu uma laguna normativa de extrema relevância. A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019, que entrou em vigor em 20/09/2019), dentre muitas previsões riquíssimas, alteou e reconheceu legalmente: a “liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas”, o princípio da “intervenção subsidiária e excepcional do Estado” e o direito de “desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados”.
Assim, as previsões da Portaria nº 671/2021 do M.T.E estão muito mais alinhadas com a eficiência, desburocratização e liberdade econômica. Frise-se que os trechos revogados pela Portaria nº 3.665/2023 nesta Portaria nº 671/2021 se limitam a referências ao comércio previstas em seu Anexo IV.
Peculiaridade do segmento do comércio
Estranhamente, o comércio foi contemplado com norma específica sobre o trabalho em domingos e feriados, presente na Lei 10.101/2000, que desde dezembro de 2007, passou a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 6°_ Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.
Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.”
“Art. 6-A. É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.”
Percebe-se que referida lei estabeleceu tratamento de exceção ao segmento do comércio ao impor condição para o trabalho em domingos e feriados que não se aplica a outros segmentos, pois, como visto, a CLT e a Lei nº 605/49 não estipulam a negociação sindical como condição para tanto, muito menos a Lei da Liberdade Econômica.
Por força do sentido normativo que irradia do sistema de leis apresentado no tópico anterior, as previsões sobre trabalho em domingos e feriados presentes na Lei nº 10.101/2000 (com redação dada pela Lei nº 11.603/2007) impõem ao segmento do comércio uma condição desigual, sobretudo considerando o paradigma constitucional da livre iniciativa, tão bem regulamentada nas previsões da Lei da Liberdade Econômica e concretamente aplicado no desentrave definido na Portaria nº 671/2021.
O Caso de Curitiba e a Lei da Liberdade Econômica
Foi justamente em decorrência da Lei da Liberdade Econômica que o município de Curitiba – PR revogou a limitação de horário para abertura e fechamento das lojas imposta pela Lei Municipal de nº 7.482/1990 e pelo art. 36 da Lei Municipal nº 11.095/2004, que foram revogadas pela nova Lei Municipal nº 16.085, de 01/11/2022.
A nova legislação municipal permite a abertura e o fechamento de estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços de qualquer natureza no Município de Curitiba de forma livre. Além disto, também autoriza expressamente o funcionamento desses estabelecimentos em qualquer dia da semana, incluindo feriados nacionais, estaduais e municipais, de maneira facultativa.
Conclusão
Portanto, se o município exercer sua competência legislativa no sentido de regular assunto de interesse local, autorizando trabalho em domingo e feriado, estabelecerá assim noção inafastável para a definição das exigências técnicas que contextualizam a peculiaridade local (vide Lei nº 605/1949), restando plenamente satisfeito o disposto no artigo 69 da CLT, podendo ser considerada suprida a necessidade de autorização em norma coletiva resultante de negociação sindical.
Não obstante, também deve ser considerado o que segue:
- Quanto ao trabalho em domingos, no artigo 6º a própria Lei nº 10.101/2000 (com redação dada pela Lei nº 11.603/2007) o autoriza, ressalvando apenas a observância da lei municipal, sem nenhuma vinculação para tanto à previa negociação com sindicato;
- Quanto ao trabalho em feriados, a previsão do artigo 6º-A da Lei nº 10.101/2000 (com redação dada pela Lei nº 11.603/2007) que o condiciona à autorização em convenção coletiva do trabalho, assim como à norma municipal, cria condição anti – isonômica e que atenta contra a integridade sistêmica do ordenamento, indo além do disposto nos artigos 68 a 70 da CLT e no previsto na Lei nº 605/49.
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¹ Art. 69 – Na regulamentação do funcionamento de atividades sujeitas ao regime deste Capítulo, os municípios atenderão aos preceitos nele estabelecidos, e as regras que venham a fixar não poderão contrariar tais preceitos nem as instruções que, para seu cumprimento, forem expedidas pelas autoridades competentes em matéria de trabalho.