MPV 1.171/2023: Tributação no Brasil de Patrimônio no Exterior.
Autor: Emanoel Theodoro Salloum Silva (OAB/PR nº 41.626)
Salloum, Becker e Camargo Advogados (www.sbc.adv.br)
No dia 30/04/2023, logo após o pronunciamento feito em rede de TV e rádio, o Presidente Lula assinou a MPV 1.171, publicada no mesmo dia em edição extra do Diário Oficial da União. Tal Medida Provisória traz grande impacto aos planejamentos patrimoniais e sucessórios de brasileiros no exterior e visa claramente tributar o capital e a propriedade, detidos em uma modalidade específica (no exterior), como forma de aumentar a arrecadação para fazer frente aos objetivos “sociais” do Governo Lula.
Por mais que se diga que outros países já adotam tributação semelhante, além de suas fronteiras (worldwide), aqui no Brasil a MPV 1.171 inequivocamente introduz tal tributação para aumentar arrecadação, sob o pretexto de compensar a perda decorrente da elevação da faixa de isenção do imposto de renda devido pelas pessoas físicas (IRPF) – de R$ 1.903,28 para R$ 2.112,00 e R$ 528,00 de desconto adicional sobre os valores retidos na fonte.
Segundo o texto da MPV em assunto, o governo passa a cobrar, no ajuste anual, de forma separada, com alíquotas de 15% a 22,5%, o Imposto de Renda (IRPF) sobre os rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos objeto de trust (modalidade contratual de administração de patrimônio regida por lei estrangeira).
Para rendimentos que anualmente superarem o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a alíquota do IRPF será de 15% e, quando superarem R$ 50.000,00, aplicar-se-á a alíquota de 22,5%.
O que chama atenção é que a referida tributação alcança de forma ampla aplicações financeiras (inclusive seguros) e seus rendimentos, mas também os lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 2024 por entidades controladas no exterior por pessoas físicas residência no Brasil.
Isto significa, por exemplo, que até mesmo o lucro auferido em atividade imobiliária de bens situados fora do Brasil, por pessoa jurídica (offshore) sediada em país estrangeiro de tributação beneficiada (paraíso fiscal), que seja controlada de forma direta ou indireta por brasileiro, será tributado, mesmo que não tenha sido distribuído como dividendo aos seus sócios e/ou beneficiários residentes no Brasil.
Outro ponto que merece destaque, é que referida MPV autoriza que brasileiros, ainda neste ano de 2023, atualizem para o valor de mercado os seus bens e direitos detidos no exterior em 31 de dezembro de 2022, tributando a diferença acrescida pela alíquota de 10%, com pagamento do imposto até 30/11/2023. Somente poderão ser objeto desta atualização os bens e diretos declarados na Declaração de Ajuste Anual (DAA) relativa ao ano-calendário de 2022, entregue até o dia 31/05/2023.
As Medidas Provisórias (MPVs) são normas editadas pelo Presidente da República, visando regular situações de relevância e urgência, e por isso têm imediata força de lei. Neste ponto, reside mais uma das críticas a MPV 1.171, pois um tema com esta complexidade e magnitude de efeitos na vida do cidadão não pode ser impositivamente estabelecido, sem antes um amplo e profundo debate prévio.
Apesar de produzir efeitos imediatos, a MPV ainda precisa se submeter ao Poder Legislativo, mediante apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado), para se converter definitivamente em lei.
Portanto, a MPV em questão vigorará inicialmente por 60 (sessenta) dias e, caso não seja apreciada, poderá ser prorrogada automaticamente por igual período. Os atos praticados durante sua vigência são considerados atos jurídicos perfeitos, mesmo quando não convertidas posteriormente em lei, o que deve ser considerado caso o contribuinte opte pela atualização e tributação de seus bens com a alíquota incentivada de 10%, conforme acima mencionado.
Espera-se que o Congresso Nacional não caia na armadilha populista de onerar o capital, os setores produtivos e seus titulares no afã de cumprir a agenda social do governo. A atividade produtiva não sobrevive sem a segurança juridica tão crucial à economia. Caso isto ocorra, a alteração da residência fiscal no Brasil poderá ser uma alternativa para muitos. Esta parece ser uma tendência, especialmente se for considerado o fluxo cambial e histórico de saída de dólares do país desde o resultado das últimas eleições.
Os efeitos jurídicos da MPV 1.171/2023 e de eventual lei resultante ainda necessitam ser mais bem avaliados à luz da Constituição Federal e do Direito. De todo modo, diante da pauta governamental anunciada, a decisão de investir e/ou viver fora do Brasil não deve ser hipótese ignorada, exigindo planejamento e assessoria especializada.
Além desta nova incidência de IRPF, cabe lembrar dos demais aspectos atinentes ao patrimônio no exterior detido por brasileiros, conforme tratado no artigo publicado em nosso blog em 23/01/2023. Dentre estes aspectos está o ITCMD sobre doações e herança no exterior, conforme notícia reproduzida em 28/04/2023.
O ITCMD é um imposto estadual incidente nas transferências de bens e direitos em decorrência da morte ou doações. O STF, no ano de 2022, reconheceu que há inconstitucionalidade em decorrência da omissão legislativa na regulamentação do artigo 155, § 1º, III, da CF, de forma que estados e o Distrito Federal não podem cobrar o ITCMD quando o doador tiver domicilio no exterior ou a pessoa falecida possuir bens no exterior. Por isso, o STF fixou prazo de 12 meses para o Congresso regulamentar tal incidência de ITCMD, mediante lei complementar, o que ainda não ocorreu.
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Este é um artigo de natureza informativa. Os dados nele presentes não constituem garantia de resultados por si só. A informação devidamente utilizada, de forma profissional, constitui conhecimento aplicável de acordo com a especificidade de cada caso. Consulte sempre assessoria profissional e com conhecimento jurídico qualificado, apto a integrar de forma multidisciplinar conhecimentos específicos.