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Postado em: 3 mar 2021

Impactos da alta do IGP-M nos contratos de locação imobiliária

Emanoel Teodoro Salloum Silva

Jonathan Sari Fraga.

 

É incontestável que a pandemia da COVID-19 ocasionou profundos impactos em diversas áreas da sociedade. Neste contexto, um tema de suma relevância diz respeito aos efeitos econômicos das medidas de enfrentamento à propagação do vírus. 

Uma demonstração típica dos impactos econômicos decorrentes da pandemia verifica-se na vertiginosa alta do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M/FGV), índice este que é comumente utilizado como critério de reajuste nos contratos de locação imobiliária. 

O valor acumulado deste índice nos últimos 12 meses totalizou 25,71% e a justificativa de tal variação se dá em decorrência da própria metodologia de construção do índice. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), o IGP-M é o resultado da média ponderada de três outros índices de preços, dentre os quais, o que merece maior destaque é Índice de Preços ao Produtor Amplo – Mercado (IPA-M), vez que representa 60% da base de cálculo do IGP-M. 

O IPA-M é um indicador utilizado para medir as variações médias dos preços recebidos por produtores do setor agropecuário e industrial, sendo composto por produtos agropecuários e industriais, bem como bens finais, bens intermediários e matérias primas brutas, sendo que dentre tais produtos estão as principais commodities brasileiras comercializadas no mercado financeiro. 

Na contramão deste aumento do IGP-M está o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-A/IBGE), que acumulou uma variação de apenas 4,52%, até dezembro de 2020. Tal índice é utilizado como referencial para o medir a inflação de produtos comercializados no varejo do mercado interno, sendo utilizado pelo “Banco Central do Brasil para a definição da política monetária no âmbito do regime de metas de inflação”.

Nos termos da Nota Metodológica 01/2018, IPC-A é baseado no cálculo da variação da média mensal de uma cesta de produtos definidos e comercializados no mercado varejista, que por sua vez permite definir a capacidade de compra das famílias frente às despesas com consumo doméstico das famílias. 

No âmbito dos contratos de locação que, como já salientado, utilizam comumente o IGP-M como referência para o reajuste do valor do aluguel, a vertiginosa alta do índice tem ocasionado, pontualmente, um forte desequilíbrio entre as partes, atraindo à parte locatária um ônus excessivo, que a depender do caso pode levar ao fim da relação contratual, devido ao cenário de crise econômica vivenciada. 

Por outro lado, cumpre salientar que devido as medidas de distanciamento social impostas pelas autoridades governamentais, o impacto econômico delas decorrente e até mesmo diante da impossibilidade de funcionamento de alguns seguimentos comerciais em algumas localidades, inúmeros estabelecimentos comerciais estão encerrando suas atividades, o que impacta negativamente todo o segmento de locações de imóveis. 

Neste contexto, verifica-se que o real aumento do valor das locações imobiliárias foi inferior ao percentual alcançado pelo IGP-M. Segundo o Índice FipeZap do mês de dezembro de 2020, o segmento de locação cresceu apenas 2,48% nas locações residenciais em todo o país, sendo tal valor negativo em algumas localidades. A título exemplificativo, destaca-se a capital do Estado do Paraná, Curitiba, que teve uma variação acumulada negativa de 0,37%

O cenário econômico apresentado é propenso à rescisão de contratos de locação, especialmente naqueles que prevejam reajustes amparados no IGP-M. O único óbice favorável ao locador seria a eventual existência de multa contratual por rescisão antecipada. 

Do ponto de vista jurídico, quando uma obrigação se torna excessivamente onerosa a uma das partes, com extrema vantagem para a outra, decorrente de fatos imprevisíveis e extraordinários, e até mesmo de força maior, a parte onerada poderá pedir a resolução do contrato devido a tais circunstâncias, conforme previsto no artigo 478 do Código Civil Brasileiro

Neste contexto, até mesmo a eventual multa contratual existente pode ser contestável juridicamente, o que viabilizaria ao locatário entregar o imóvel e buscar outro com valor mais baixo, considerando a queda nos valores dos aluguéis e grande oferta de imóveis no mercado. 

Entretanto, como uma saída alternativa à rescisão contratual, bem como em consonância com o princípio da força vinculante dos contratos, o Código Civil Brasileiro prevê nos artigos 479 e 480 a possibilidade de modificação equitativa dos termos do contrato, visando a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. 

Os precedentes jurisprudenciais dos tribunais pátrios em casos semelhantes já se posicionaram em favor da alteração pontual do índice de reajuste de contratos como forma de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, diante de circunstâncias imprevisíveis e extraordinárias, que tornam a continuidade do contrato onerosa a uma das partes. 

Ressalta-se como exemplo os casos de contratos de arrendamento mercantil com reajuste atrelado ao valor do dólar, conforme se depreende da ementa abaixo: 

Processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Recurso especial. Ação revisional. Contrato de arrendamento mercantil. CDC. Aplicação. Variação cambial. Fato superveniente. Dissídio não comprovado. Oneração sofrida exclusivamente pela instituição financeira. Ausência de prequestionamento. Não comprovação de captação de recursos no exterior. Reexame fático-probatório. Interpretação de cláusulas contratuais. – A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados, inviabiliza a apreciação de recurso especial. – Inviável o recurso especial pela alínea c quando não realizado o cotejo analítico e não comprovada a similitude fática entre os arestos trazidos à colação. – Aplica-se o CDC às relações jurídicas firmadas entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços. – Conforme entendimento da 2ª Seção, o aumento do valor do dólar norte-americano perante o real constitui fato superveniente capaz de ensejar a revisão do contrato de arrendamento mercantil atrelado ao dólar. – Inviável o recurso especial pela alínea c quando ausente a necessária similitude fática entre os julgados trazidos à colação. – É inviável o reexame de fatos e provas em recurso especial, bem como interpretação de cláusulas contratuais. Agravo no agravo de instrumento não provido.

Utilizando analogamente tal entendimento para a lógica dos contratos de locação, verifica-se a plausibilidade jurídica da alteração momentânea e pontual do índice de reajuste dos contratos, sem prejuízo da continuidade da utilização de tal índice nos contratos de locação em períodos de menor turbulência econômica, decorrentes de situações imprevisíveis e extraordinárias. 

Portanto, a alternativa menos onerosa para ambas as partes e mais segura seria a inaplicabilidade pontual do IGP-M, com possibilidade de livre negociação entre as partes para um critério mais condizente com a realidade do momento atual. 

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