Gestão estratégica do risco legal e compliance
Por muito tempo a gestão do risco associada aos negócios se pautou sobre a lógica da defesa imediata do investimento. Gerir riscos se traduzia em mitigar os riscos de perda financeira do capital investido. Não foi por outro motivo que os primeiros mecanismos de defesa contra riscos de investimento surgem no segmento financeiro, através dos contratos de seguro e, posteriormente, com as aplicações de hedge.
Contudo, há uma percepção cada vez mais evidente de que riscos estão presentes em todas as modalidades de investimentos e não somente nos de cunho financeiro. Em especial, com a disseminação do modelo de organização da economia a partir da empresa, fica óbvio que os riscos operacionais destas organizações também demandam gestão, como mecanismo de sustentabilidade e de manutenção de seu fim econômico original.
Neste sentido, uma pesquisa (Deloitte, 2013, p. 42), realizada recentemente com executivos de empresas brasileiras, revelou que há uma tendência à priorização de análises estratégicas para a condução dos negócios. 61% dos respondentes indicaram a “gestão de riscos e controles internos” como prioridade em seu trabalho.
O psicólogo e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002, Daniel Kahneman, em entrevista à revista HSM Management (n° 44, de maio e junho de 2004, p. 46 – 50), chama atenção para o fato de que muitos empresários tem sua percepção do risco baseada na intuição (emoções, pré-conceitos e afins), fugindo dos padrões racionais de probabilidade e estatística para enfrentamento dos mesmos. A afirmação vem acompanhada da seguinte constatação pessoal do pesquisador: “O que mais me deixa atônito ao falar com empresários no contexto da análise de decisões é que eles tomam muitas decisões e não mantem nenhum rastreamento delas. Não tentam aprender com os próprios erros: não investem em tentar entender o que fizeram de errado. E isso não é acidental: eles realmente não querem saber o que aconteceu”.
Diante da influência relevante que o Direito exerce sobre os ambientes econômicos, torna-se possível compreender que os riscos operacionais em sua maioria são também riscos legais, inerentes à normatividade jurídica que envolve a economia, seja no modelo empresarial ou no modelo de mercado.
Portanto, a exploração econômica da oportunidade privada, que incita o empreendedor a organizar a empresa, traz consigo a necessária análise de quais riscos devem ser mitigados e quais devem ser assumidos. Tal consideração estratégica não é possível de ser feita sem o instrumental do Direito.
Por tal razão o Direito passa a ser instrumento de elevada importância na gestão dos riscos operacionais, em especial daqueles inerentes à normatividade jurídica, chamados de riscos legais (propriamente ditos), haja vista que o “fenômeno” empresarial é tão jurídico quanto econômico.
Por isso, a análise da instrumentalidade do Direito à gestão estratégica do risco legal, a partir dos pressupostos de conformidade, integridade e sustentabilidade, pode propiciar a empresários, economistas, legisladores e operadores do Direito a medida da convergência, aplicada à empresa, entre Direito e Economia, ou seja, entre regulação, valoração e eficiência. Aspecto que agrega relevância prática à investigação de qual mecanismo de governança empresarial pode com maior eficiência aplicar a funcionalidade do Direito para a gestão estratégica de riscos legais, ou seja, um modelo de governança empresarial em conformidade com o Direito.
Portanto, o que se propõe sob o título de gestão estratégica de risco legal de fato é esta modalidade de governança, que integra o raciocínio juridico (tributário, contratual, societário, trabalhista etc.) à gestão.
Em pesquisa divulgada em janeiro de 2019 pela empresa Baker McKenzie, especializada em M&A (merge & acquisitions – fusões e aquisições), constatou-se que 59% das empresas brasileiras analisadas identificaram problemas imediatos de compliance em empresas que adquiriram, ou nas quais investiram; e 53% identificaram problemas que só foram descobertos depois.
Todavia, o Brasil foi o país que demonstrou maior preocupação com a exposição ao risco (73%), assim como, o percentual de empresas brasileiras entrevistas que relutaram em falar abertamente sobre os seus desafios de compliance, por medo de expor suas dificuldades, foi o maior de todos: 53% dos entrevistados.
A pesquisa analisou multinacionais dos Estados Unidos, Canadá, Hong Kong, Brasil, Espanha e Alemanha.
A noção corporativa da expressão compliance é derivada do modelo empresarial norte-americano, cuja tradução faz referência ao conjunto de normas e procedimento internos de uma empresa destinados ao cumprimento da lei.
No entanto, compliance só tem sentido se dedicar-se à materialização da gestão do risco legal, após competente due diligence com mapeamento de riscos, na medida em que suas dicções não podem simplesmente ultimar conformidade legislativa, dissociada da noção de eficiência e compatibilização jurídica, inerentes à organização empresarial.
Nesta percepção, um aspecto a ser ressaltado em programas de compliance é a sua capacidade de gerir adequadamente riscos a fim de garantir não só o cumprimento das leis, mas, sobretudo, a compatibilização do funcionamento corporativo da empresa com o sistema jurídico que a circunscreve.
Repetir internamente as imposições legais dirigidas à empresa é a mais insignificante instrumentalidade de programas de compliance. Por isso, quando se parte de uma gestão estratégica do risco, baseada em uma interpretação interdisciplinar do ambiente institucional, destinada a compatibilizar a empresa com o Direito, compliance assume o papel de uma plataforma de políticas internas destinadas à modulação da governança empresarial segundo às peculiaridades jurídicas do negócio empreendido.
É justamente por força desta proposição que a gestão do risco legal deve se desprender da noção clássica de proteção empresarial, que via no Direito uma forma de defesa superveniente à ocorrência de problemas de eficiência empresarial, e assumir um papel estratégico, preditivo, interdisciplinar e inserido no contexto da organização e da operacionalização do negócio empresarial.
Se diz: estratégico, ante a finalidade de garantir eficiência econômica com inovação e sustentabilidade; preditivo, por força do imperativo dirigido aos empresários que os conclama a desenvolver uma cultura empresarial de realista percepção e tratamento dos riscos jurídicos; interdisciplinar graças à necessidade de integração das análises de contingência e da compreensão da empresa a partir do conjunto formado pelo Direito, Economia e Administração.
Para compreender melhor como compliance pode aumentar a eficiência e agregar valor ao seu negócio, o escritório Salloum, Becker e Camargos Advogados está à disposição.