Blog

Postado em: 18 mar 2020

Aspectos jurídicos da pandemia do COVID-19 no Brasil

I – INTRODUÇÃO

Invariavelmente as medidas preventivas e as consequências do contágio pelo vírus COVID-19 também alcançarão as relações jurídicas no Brasil.

Resta saber quais os limites de eventuais responsabilidades neste contexto. No presente texto, a referida questão será analisada sobre quatro âmbitos: 1) relações de consumo; 2) relações de trabalho; 3) relações empresariais e 4) medidas governamentais.

Antes da especificidade aplicável a cada um destes âmbitos, vale pontuar acerca de uma regra geral do direito brasileiro denominada “força maior”. Uma definição, plausível e razoável à finalidade metodológica do presente texto informativo, apresenta a força maior como todo fato humano ou natural, previsível ou não, que impede a ação e o cumprimento de direitos e deveres, cujos efeitos não podem ser evitados por ato próprio.

Tão importante quanto ao seu conceito é a compreensão de seus efeitos. Segundo a lei (artigo 393 do Código Civil), a pessoa obrigada a determinado dever, não responderá pelos prejuízos resultantes da força maior, a não ser que tenha expressamente se responsabilizado.

 

II – QUANTO ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO

Em linhas gerais, a responsabilidade do fornecedor perante os consumidores é objetiva e solidária. No entanto, existem na lei hipóteses de exclusão de responsabilidade, dentre elas a força maior. Porém, é altamente recomendado que o fornecedor implemente políticas mitigadoras, caso se depare com a impossibilidade do cumprimento do que foi contratado.

Viagens:

Em um contexto de pandemia, em que países estão fechando suas fronteiras, impondo restrições à livre circulação, cancelando eventos e fechando comércios, não há espaço para turismo e/ou viagens à negócio.

Nestas circunstâncias, tanto para o consumidor como para as companhias existe a opção da remarcação ou do cancelamento.

É evidente que as causas desta remarcação são notórias e plausíveis, constituindo justificativa idônea para afastar qualquer cobrança de taxa, tarifa ou penalidade por remarcação.

Já quanto ao cancelamento, o ressarcimento é medida que se impõe. Quando previamente contratados e informados, podem ser deduzidos do valor a ser restituído o custo com despesas e tarifas inerentes a custos administrativos, operacionais e financeiros que antecedem a fruição do serviço contratado.

Nestas hipóteses devem sempre ser respeitadas as disposições do Código de Defesa do Consumidor e da Resolução n.º 400 da ANAC, lembrando que as resoluções e normativas infralegais não podem alterar direitos legais do consumidor, mas constituem instrumentos auxiliares de regulamentação para fixação de critérios mínimos basilares.

Para maiores esclarecimentos, a ANAC oferece acesso digital a informações no endereço anac.gov.br/passageirodigital e o Governo Federal possui plataforma para resolução administrativa de reclamações no endereço www.consumidor.gov.br, sem prejuízo da garantia constitucional de acesso à justiça.

Planos de Saúde:

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou em 13/03//2020 regulação que determina a inclusão do exame de detecção do COVID-19 no rol de procedimentos para os beneficiários do plano de saúde, de acordo com a prescrição médica.

III – QUANTO ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO

Diante da declaração de pandemia global pela Organização Mundial da Saúde, o ambiente de trabalho deve tomar todas as providências plausíveis para evitar a proliferação indiscriminada.

Neste sentido, deve o empregador e tomador de serviços seguir todas as determinações das autoridades, seja no âmbito municipal, estadual e/ou federal, com vistas a evitar que eventual negligência constitua motivo de responsabilização extraordinária.

É altamente recomendável: arejar ambientes, desestimular contatos próximos e aglomerações, desinfetar e limpar constantemente sanitários, bebedouros, refeitórios e estações de trabalho, afastando sempre colaboradores sintomáticos.

Por força da cautela inerente à prevenção é previsível o aumento de ausências laborais. No entanto, sintomas não importam diretamente em incapacidade laboral, dado as características da infecção pelo COVID-19.

Os casos confirmados ensejarão o afastamento compulsório com ausências justificadas até o afastamento previdenciário, conforme regra padrão do INSS.

De acordo com a viabilidade técnica e operacional, o teletrabalho (home office) pode vir a ser implementado, mediante prévias definições quanto aos custos de aquisição e manutenção dos recursos tecnológicos que viabilizam o trabalho em casa.

Nesta modalidade de trabalho em casa, o controle da jornada pode se dar mediante recursos telemáticos alternativos ao controle de ponto, ensejando, portanto, o pagamento de horas extras quando implementados pela empresa para fiscalizar o cumprimento do tempo do trabalho.

Ainda, quanto ao home office vale registrar que sua implementação dispensa o pagamento de vale transporte, mas mantém o pagamento do VR previsto em CCT ou ACT, conforme o caso.

Como alternativas ainda existem a possibilidade de concessão de férias, a utilização de banco de horas, com todas as customizações inerentes à negociação coletiva, as quais podem evoluir para circunstâncias mais aprimoradas de suspensão do contrato de trabalho, como lay-off.

IV – QUANTO ÀS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

Os contratos empresariais se constituem sob a premissa de que não existem riscos desconhecidos pelo profissionalismo empresarial. Não obstante, os riscos contratuais devem sempre constar expressos nos instrumentos negociais, não se admitindo presunção, a qual não deve se sobrepor às disposições especificas presentes nos instrumentos.

No entanto, apesar do risco ser parte inerente a toda negociação empresarial, esta premissa não afasta a necessidade de se tutelar de forma diferenciada a incerteza.

Nesta linha, devem ser considerados pelos administradores os conceitos jurídicos da força maior (art. 393 do Código Civil) e da teoria da imprevisão (art. 478 do Código Civil). Estes possuem efeitos distintos, enquanto o primeiro exonera de responsabilidades, o segundo pode importar em revisão compulsória dos contratos.

A depender do feixe de obrigações e da modalidade contratual firmada, o efeito da pandemia em assunto pode justificar aplicações distintas.

Por exemplo, na força maior o desabastecimento de linhas de produção ou frentes de trabalho pode afastar o fornecedor do descumprimento contratual.

Já pela teoria da imprevisão, as medidas cautelares e impositivas de prevenção da pandemia podem justificar revisão do preço contratado, quando, por exemplo, resultem em diminuição da capacidade produtiva e/ou precipitem custos rescisórios com a desmobilização precoce de efetivo funcional.

V – QUANTO ÀS MEDIDAS GOVERNAMENTAIS

O Governo Federal anunciou no dia 16/03/2020 algumas medidas emergenciais para minimizar os impactos causados pela pandemia, visando, principalmente, à proteção da população mais vulnerável e à manutenção dos empregos.

Dentre as medidas anunciadas, temos a antecipação da segunda parcela do 13º e do abono salarial aos aposentados e pensionistas do INSS; a transferência de valores do PIS/PASEP para o FGTS permitir novos saques; reforço ao programa Bolsa Família; e redução do teto, aumento da margem e do prazo de pagamento dos consignados.

Para as empresas as medidas incluem o diferimento, por 3 meses, do prazo de pagamento do FGTS; diferimento, também por 3 meses, da parte destinada à União do SIMPLES NACIONAL; R$5 bi de crédito do PROGER/FAT para Micro e Pequenas empresas; redução de 50% nas contribuições do Sistema S por 3 meses; simplificação das exigências para contratação de crédito e dispensa de CND para renegociação; e facilitação do desembaraço de insumos e matéria prima industriais importadas.

Ainda, quanto às medidas impositivas de prevenção e isolamento, tem-se que seu desatendimento, além de caracterizar ato ilícito passível de responsabilização civil, por iniciativa de particulares e por parte do próprio Estado, buscando ser ressarcido dos custos extraordinários gerados em prejuízo do sistema de saúde, também poderá caracterizar crime.

O Código Penal assim estabelece:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Entendendo que os reflexos da pandemia podem assumir contornos variáveis de acordo com as peculiaridades de cada caso e de acordo com a lógica jurídica do âmbito correspondente, é altamente recomendável que as decisões neste contexto sejam sempre precedidas de consultoria e assessoria juridica especializada.

Voltar

Assine
Newsletter


    Ao informar seus dados, você concorda com a Política de privacidade.

    Desenvolvido por In Company