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Postado em: 18 nov 2020

A NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DO TEMA 339 DO STF FRENTE AO CPC/2015

O Supremo Tribunal Federal, em 23/06/2010, em sede de repercussão geral fixou a seguinte tese no Tema nº 339: “O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas.

Porém, o atual Código de Processo Civil, em especial os artigos 11 e 489, § 1º, que entraram em vigor no ano de 2016 (após, portanto, a consolidação do referido tema), conferiram ao artigo 93, IX, da CF contornos objetivos e tangíveis, os quais devem ser seguidos, sem qualquer rebeldia ao dever constitucional de observância da legalidade.

No entanto, é comum o referido entendimento ser invocado para rejeição de embargos de declaração e para negativa de seguimento de recursos.

A experiência profissional acaba por revelar uma tendência de aplicação automática e defensiva do referido tema, sem nenhuma análise e demonstração de pertinência específicas, apenas para evitar o processamento de “mais um recurso” neste “sistema congestionado”, de “litigiosidade massificada”, que confunde celeridade com eficiência e assim faz naufragar as garantias constitucionais de cunho processual.

Justamente por força deste angustiante fenômeno é que foi escolhido para contextualizar o presente texto a imagem da pintura O Grito, do artista norueguês Edvard Munch, de 1893.

Para melhor contextualização e compreensão da problemática que justifica a presente abordagem, seguem reproduzidos os referidos dispositivos:

 

CF. Art. 93. IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (…).

CPC. Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

CPC. Art. 489, § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

 

O novo CPC foi tão criterioso neste tocante, que inclusive quando dispôs no artigo 927 sobre a obrigatória observância do temas repetitivos e de repercussão geral, excetuou expressamente no parágrafo primeiro que “os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento neste artigo”.

A aplicação indiscriminada do tema em assunto e a recalcitrante negativa de juízes e desembargadores em observar a lei processual e o devido processo legal conformado pela profundidade do artigo 489, § 1º, do CPC, acaba por revelar descompromisso com a atividade jurisdicional e com o sistema constitucional de justiça.

Decisões judiciais que se furtam à aplicação do artigo 489, § 1.º do CPC, mediante a utilização do desatualizado entendimento do Tema 339 incorrem em flagrante defeito de prestação jurisdicional e afronta material à Constituição, em contrariedade direta do artigo 93, IX, e do artigo 5.º, incisos LIV e LV, todos da CF, os quais devem ser materializados nos termos da lei processual atual e não do superado Tema 339 de 20/08/2010.

Portanto, a legalidade de observância obrigatória, sobretudo pelo Poder Judiciário, capaz de concretizar materialmente as garantias constitucionais do devido processo legal e contraditório, no que toca ao dever de fundamentação disposto no artigo 93, IX, da CF, é aquela que consta nos seguintes dispositivos legais: artigo 11 e o artigo 489, parágrafo primeiro, do NCPC, que entrou em vigor em 18/03/2016, portanto, após e em superação ao Tema 339.

Considerando-se que o Código de Processo Civil em vigor sequer existia por ocasião da fixação da tese do tema 339 de Repercussão Geral, resta evidente que este foi superado ou, ao menos, não pode ser aplicado cegamente, e sobretudo sem qualquer contextualização ao caso caso concreto.

A atualização do Tema 339 à luz do novo e vigente CPC é matéria repletamente abundante de repercussão geral.

À propósito, registre-se que o artigo 926 do CPC/15, ao determinar a uniformização da jurisprudência, não retirou dos tribunais o dever de mantê-la íntegra e coerente, atributos que contém também o dever de atualização e integração sistêmica de suas decisões.

Nem se diga, portanto, que a aplicação indiscriminada dos temas de Repercussão Geral constitui padrão imutável. Tanto não é assim, que o parágrafo terceiro, do artigo 927, do CPC prevê, inclusive, a possibilidade de alteração da jurisprudência dominante do STF, mediante modulação de efeitos decorrente da alteração no interesse social e na segurança juridica.

A atualização do que vem a ser a fundamentação exigida pelo artigo 93, inciso IX, da CF/88, à luz do disposto na atual lei processual, é de suma importância e preocupação, ainda mais em um Estado Democrático de Direito, em que o texto constitucional deve ser materialmente garantido pelas instituições, as quais não devem se furtar de observar a lei.

Tal critério, portanto, deve embasar a atividade jurisdicional em todo o país, ainda mais agora, sob a égide do CPC/2015 (aplicável supletivamente a todos os segmentos processuais), no qual foram explicitados parâmetros materiais para definir quando uma decisão será ou não fundamentada, restando, portanto, superado e desatualizado o Tema 339, posto que proferido quando inexistiam na lei processual normas em sentido diverso.

Assim, as referidas previsões dos artigos 11 e 489 do CPC estabelecem a noção de abrangência, profundidade e especificidade que devem ser atendidas pela fundamentação jurisdicional exigida pela Constituição, constituindo assim verdadeira teoria geral de processo, aplicável à toda prestação jurisdicional, por expressa previsão constitucional.

Do cotejo de tais dispositivos, tem-se que a fundamentação deve ser sempre específica e com a profundidade necessária para explicar os motivos pelos quais os argumentos da parte defendida não estão sendo acolhidos, requisito essencial para a materialização do devido processo legal e viabilização do contraditório, garantias constitucionais substantivas, que não se limitam à aspectos formais.

Ou seja, não é a mera existência formal de um duplo grau de jurisdição que viabiliza o devido processo legal e o contraditório, mas sim a qualidade do efeito devolutivo inerente, que deve ser realmente capaz de possibilitar à parte influir no convencimento do juiz. Tal somente ocorrerá se os magistrados tiverem o ônus de enfrentar especificamente os argumentos capazes de, mesmo que em tese, infirmar a conclusão do julgado pela instância inferior.

Razão pela qual somente a Excelsa Corte poderá dizer se a fundamentação, exigida pela Constituição, está, ou não, corretamente disciplinada nos referidos dispositivos legais infraconstitucionais, de forma que o que vier a ser definido servirá de critério balizador para aplicação destes dispositivos processuais em toda prestação jurisdicional que venha a ocorrer na vigência do CPC/2015.

Portanto, caso o STF não defina se os referidos dispositivos legais são ou não expressão válida e acertada da fundamentação exigida pelo artigo 93, inciso IX, da CF/88 e artigo 11 do CPC/2015, relegará todos os cidadãos e operadores do direito à situação de insegurança jurídica, que poderá culminar no enfraquecimento da literalidade destas disposições legais, frente à prática jurisdicional, e especialmente, no esvaziamento do sentido material das previsões constitucionais presentes no artigo 93, IX, e no artigo 5.º, incisos LIV e LV, todos da CF.

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