COVID-19 É DOENÇA DO TRABALHO?
No ano de 2020, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória nº 927. Assim o fez argumentando que a caracterização de doença ocupacional exigiria demonstração de nexo causal.
Naquela oportunidade, o escritório SBC Advogados, emitiu Nota Informativa, esclarecendo que “em se tratando a COVID-19 de doença endêmica, à luz da Lei 8.213/97, ela não pode ser considerada como doença do trabalho, salvo se comprovada a exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. Partindo dessa premissa, a presunção de que não se trata de doença de natureza ocupacional é a regra”.
A demonstração do nexo causal de qualquer doença constitui tarefa que não admite presunção, mas sim exige comprovação médica fruto de exame pericial. No entanto, recentemente duas decisões da Justiça do Trabalho tiveram ampla repercussão por terem considerado a COVID-19 como doença laboral, segundo fatores objetivos e decorrentes de presunção, sem demonstração específica do nexo causal.
Na decisão proferida pela Vara do Trabalho de Poá-SP, o juiz fundamentou que “tendo em conta o contágio na mesma época (de seis empregados), aliado ao fato de a ré não ter tomado todas as cautelas para prevenção da contaminação da doença, é muito provável que o contágio se deu em razão do labor da reclamada, tendo em conta a maior exposição ao risco, podendo-se presumir o nexo causal em razão das especiais condições de trabalho dos empregados”.
Referido magistrado também registrou que apesar de inexistir prova cabal do nexo causal, igualmente não houve comprovação de que a doença teria sido adquirida fora do ambiente de trabalho, razão pela qual, segundo ele : “não se pode resolver o caso pela regra de distribuição do ônus da prova, pois nenhuma das partes teria condição de fazer prova da existência ou da inexistência do nexo causal, razão pela qual a decisão deve ser tomada a partir dos elementos indiciários existentes no processo, por convicção de verossimilhança”.
Já na decisão proferida pela Vara do Trabalho de Três Corações-MG, o juiz semelhantemente entendeu que diante da impossibilidade de comprovação do nexo causal pelo trabalhador, deveria o empregador ser responsabilizado pela morte decorrente de COVID-19, haja vista o Tema nº 932 do STJ, com repercussão geral reconhecida, sobre a possibilidade de responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidente do trabalho.
Ambas as decisões não possuem repercussão geral e também não constituem precedente com eficácia normativa, na medida em que sequer foram confirmadas pelos respectivos Tribunais Regionais em sede recursal.
Fora isto, da análise de tais decisões, percebe-se que partem do pressuposto (tendencioso) de que não haveria meios do trabalhador comprovar o nexo causal ocupacional e que, por isso, estaria autorizada sua presunção, na medida em que o risco do contágio integraria o risco da atividade econômica desenvolvida pelo empregador (como se não fosse possível e altamente provável que o contágio ocorra em qualquer lugar – sobretudo no curso de uma pandemia).
O raciocínio utilizado nas decisões, além de subverter toda a lógica legal e probatória que rege o processo judicial, também ignora que a mesma medida de presunção e verossimilhança autorizaria o reconhecimento da plausibilidade e da maior probabilidade da referida patologia ter sido adquirida fora do ambiente do trabalho, que presumidamente é mais controlado e seguro.
É exatamente por isso que a lei previdenciária (art. 20, parágrafo primeiro, da Lei 8.213/97), ao definir as patologias que se enquadram no conceito legal de acidente de trabalho, excluiu literalmente a doença endêmica. A única hipótese que autoriza o reconhecimento de alguma patologia endêmica como laboral está na comprovação de ser “resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”.
Não resta dúvida que o risco de contágio patológico não decorre da natureza de todo e qualquer trabalho, mas tão somente daqueles em que o risco biológico compõe a própria atividade econômica (como laboratórios, hospitais e afins).
Esta é, inclusive, a inteligência (ignorada) do suscitado Tema 932, no qual a possibilidade de responsabilização objetiva se revela possível “quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade” (destaque desta transcrição).
Ademais, a responsabilidade objetiva não permite que todo o risco da vida em sociedade, sobretudo durante uma pandemia, seja alocado/imputado na atividade econômica de iniciativa privada.
Portanto, é um equívoco juridico e econômico onerar empresas com tal forma de responsabilização objetiva. Em atividades que pela natureza não estão inseridas em contexto de risco biológico habitual, o risco do contágio não é assumido por nenhum empregador, que por essencialidade ou sobrevivência, mantém sua atuação empresarial durante a pandemia, implementando razoavelmente e proporcionalmente os meios de prevenção conhecidos.
Se inexistir tal lucidez e justa ponderação, transformar-se-ão em doença laboral toda e qualquer doença contagiosa (tais como, gripe, dengue etc.).