Simetria empresarial na Lei de Liberdade Econômica
Em vigor desde 20 de setembro de 2019, a Lei n.º 13.874/2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, trouxe novos panoramas jurídicos para as relações empresariais no Brasil.
A começar, ela estabeleceu não apenas normas, mas também princípios que devem nortear a aplicação e interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho.
Um desses princípios é o da intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas (artigo 2º, III), princípio que se manifesta em diversas normas ao longo da Lei – entre elas, a do artigo 421-A no Código Civil (CC).
Este artigo dispõe que:
“Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”
Por força deste novo dispositivo legal, em uma relação entre duas empresas, por exemplo, as duas serão consideradas como estando no mesmo patamar, não se presumindo a hipossuficiência jurídica de uma delas (ou seja: em menores condições de negociar ou produzir provas em um processo) perante a outra, independente do seu porte econômico.
Obviamente trata-se de presunção relativa, uma vez que embora a simetria seja a regra, a aplicação de tal dispositivo legal admite exceções, mediante constatação da presença de elementos concretos que autorizem a excepcionalidade.
A propósito, a Lei n.º 12.529/2011, traz um bom exemplo da excepcionalidade acima mencionada, pois define em seu artigo 36, inciso IV, o exercício abusivo de posição dominante como infração da ordem econômica. A experiência empresarial revela que alguns setores da econômica são altamente concentrados em poucas indústrias/empresas, de cuja contratação dependem inúmeras outras empresas de menor porte que integram sua cadeia de fornecimento, na maioria das vezes produtores de insumos, componentes e prestadores de serviços.
Obviamente, que nestes casos, a despeito da motivação econômica e lógica empresarial que circunscreve e motiva tais contratações empresariais, verifica-se uma clara assimetria. Na maioria das vezes, diante de um grande player do mercado (cliente), a empresa contratada sequer tem a efetiva possibilidade de discutir a minuta contratual, pois o processo de compra impõe o aceite à “minuta padrão” da contratante como critério inicial para validação cadastral e ingresso na concorrência privada.
É por isso que a Lei 12.529/2011 ainda elenca como infração da ordem econômica a conduta de “dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais”.
Neste sentido, o artigo 421-A ressalvou os regimes jurídicos previstos em leis especiais – entre os quais podemos destacar a Lei n.º 8.078/90 – o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC também tem aplicação excepcional nas relações entre empresas, incidindo quando a empresa compradora do produto ou contratante do serviço da outra estiver fazendo isso na condição de destinatária final ou quando se apresentar em situação de vulnerabilidade.
Nesse caso, então, o CDC continuará sendo aplicável, independente do que dispõe o novo artigo 421-A do Código Civil.
Trata-se de uma situação excepcional e que não deve ser banalizada, pois, como dito, em regra, a Lei de Liberdade Econômica determina que as empresas e demais partes dos contratos civis e empresariais serão tidas como simétricas, nenhuma estando em situação de vulnerabilidade perante a outra, salvo se presentes elementos concretos de oposta conclusão.
Logo, serão presumidas como justas e consentidas todas as disposições contratuais, uma vez que a revisão contratual será exceção; e segundo a lei, será também “limitada”.
Uma vez que a Lei não deixa claro quais serão os ditos limites da revisão contratual, infere-se que a revisão se limitará às possibilidades previstas nesta própria Lei e no CC.
Ademais, a Lei de Liberdade Econômica também traz parâmetros para a interpretação dos negócios jurídicos, ao incluir o parágrafo 1º no artigo 113 do Código Civil.
Assim, os negócios jurídicos deverão ser interpretados de forma a respeitar o sentido que:
- for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
- corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;
- corresponder à boa-fé;
- for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável;
- corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
Havendo dúvidas sobre a elaboração ou interpretação de um contrato, procure um advogado especializado.