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Postado em: 22 ago 2025

A adoção de meios alternativos para prevenção e resolução de controvérsias em contratos administrativos e o dever de mitigação dos riscos para a Administração Pública

O artigo aborda a adoção de meios alternativos para prevenção e resolução de controvérsias em contratos administrativos, destacando a importância da conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragem.

I – Aspectos da adoção de meios alternativos para prevenção e resolução de controvérsias em contratos administrativos

A lei de arbitragem (lei 9.307/1996, com as alterações da lei 13.129/15) de forma inequívoca estipula que a “administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, devendo ser “sempre de direito” e respeitar o princípio da publicidade.

Mais especificamente e indo além, a nova lei de licitações e contratos administrativos (lei 14.133/21) contém uma seção inteira dedicada ao tratamento dos “meios alternativos de resolução de controvérsias” (Título III, Capítulo XII, arts. 151 a 154).

O art.151 fixa a faculdade da Administração se valer de modalidades alternativas de resolução de controvérsias: “nas contratações regidas por esta lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem”, listando no parágrafo único um rol exemplificativo (e também, de certa forma, recomendativo) de hipóteses aplicáveis que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis, “como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações”.

Merece destaque o art. 153 que enfatiza a possibilidade de contratos administrativos serem aditados para permitir a adoção de meios alternativos de resolução de controvérsias. Disto se extrai a possibilidade de serem formalizados termos aditivos, inclusive, para adoção de métodos alternativos específicos para diferentes controvérsias em um mesmo contrato, mesmo que a regra geral deste contrato contenha previsão do foro estatal (judicial).

Em sintonia, o art. 138 da nova lei estabelece as modalidades de extinção do contrato administrativo, passando a considerar as hipóteses de extinção consensual “por conciliação, por mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração” e de extinção imposta “determinada por decisão arbitral, em decorrência de cláusula compromissória ou compromisso arbitral”.

Por certo que a constatação do “interesse da Administração” no desfecho consensual de um contrato administrativo exige dos envolvidos acurada noção de eficiência administrativa e equilibrada ponderação do interesse público face aos riscos em eventual litígio e de suas consequências práticas, conforme imperativo dos arts. 20 a 22 da lei de LINDB – Introdução às Normas do Direito Brasileiro, decreto-lei 4.657/1942, com redação dada pela lei 13.655/18.

Marçal Justen Filho, em sua clássica obra Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021 (2021, p.1494), observa neste tocante que “Ao decidir sobre a rescisão, incumbe à autoridade competente tomar em vista as regras da LINDB” complementando, ser “indispensável avaliar os efeitos concretos que a rescisão acarretará, que poderão gerar situações muito mais nocivas do que as apontadas como causa para a extinção”.

O mesmo autor e professor ainda destaca (p. 1495) “o interesse público em assegurar a correção do resultado”, enfatizando a necessidade de se buscar “que a decisão seja a mais certa possível”, especialmente quando se trata de uma rescisão contratual imposta por decisão administrativa, pois “a constatação da improcedência das razões invocadas pela Administração produz resultados práticos desastrosos” inclusive “a condenação da Administração a indenizar o particular” o que resultará no “comprometimento de verbas estatais e elevação dos riscos de transação em contratações futuras”.

Neste sentido, tem-se como exemplar o acórdão 1.593/23 do plenário do TCU que tratou da possibilidade de renegociação contratual, no âmbito de uma solução consensual, como alternativa à relicitação formal em uma concessão aeroportuária, ressaltando o que segue:

“9.2.4. a possibilidade de encerramento do processo de relicitação, ou seja, do termo aditivo de relicitação, por acordo de vontade entre as partes, requer que sejam observadas, entre outras medidas, as que se seguem: (…) 9.2.4.4. a formalização de novo termo aditivo, de comum acordo e amigável entre as partes, em substituição ao termo aditivo de relicitação, para o equacionamento da retomada, em prazo razoável, da contratação original de obrigações de investimento e de níveis de prestação de serviço, adaptando-os, ainda que sob novo perfil ou configuração, para levar em consideração o período em que as obrigações estiveram suspensas, o excedente tarifário cobrado e a tarifa básica de pedágio oferecida e o valor de outorga oferecido nos respectivos leilões, mantendo-se, em relação ao contrato em vigor, a natureza do objeto contratual, o equilíbrio econômico-financeiro e os princípios norteadores que fundamentaram a matriz de riscos, durante o prazo remanescente do contrato de concessão em vigor, a fim de mitigar a necessidade de adoção de medidas destinadas a instaurar ou dar seguimento a processo de caducidade que eventualmente se encontrasse em curso antes da qualificação do empreendimento para relicitação” (destaques desta transcrição).

Portanto, é indubitavelmente lícito e recomendável que as partes de um contrato administrativo, visando resolver um impasse específico ou até mesmo para o fim de estabelecer como regra geral a adoção de meios alternativos de solução de quaisquer controvérsias (passadas, presentes e futuras em determinada relação jurídica contratual), formalizem aditivo contratual para implantação de solução negocial conciliatória (acordo) e/ou de comitê de resolução de disputas e/ou inclusão de cláusula compromissória de arbitragem ou apenas firmem compromisso arbitral específico destinando uma controvérsia atual à arbitragem, sem prejuízo da adoção de solução negociada/consensual, em qualquer tempo, mesmo que já em curso qualquer uma destas modalidades alternativas de resolução de controvérsias.

Obviamente que as partes para assim procederem necessitam estar representadas por profissionais devidamente habilitados para a percepção dos riscos envolvidos face aos interesses da Administração (dentre eles o de aplicação eficiente dos recursos públicos). Por isso, os profissionais envolvidos, tanto pela Administração Pública, como pela parte privada devem ser capazes de implementar negociações eficazes, ultimando o interesse público aplicável sem violar os direitos garantidos ao particular.

Nesse cenário, o agente público ocupa papel central, especialmente para a identificação da conveniência e oportunidade para adoção de soluções alternativas, inclusive e preferencialmente consensuais.

A escolha de modalidades alternativas para solução de controvérsias exige, além do conhecimento jurídico, habilidades de negociação que possibilitem às partes pactuar regras procedimentais claras, delimitar corretamente o escopo da controvérsia, antever os riscos envolvidos, mensurar os possíveis efeitos adversos e implementar soluções alternativas mais econômicas e convenientes aos cofres públicos, sem violar os direitos do particular contratado.

Tais aspectos, quando devidamente mapeados em uma negociação bem conduzida, contribuem decisivamente para uma solução mais célere, técnica e eficiente. Qualquer modalidade não judicial de resolução de controvérsias, dentre elas a conciliação, longe de se resumir a um mero mecanismo de resolução de disputas, revela-se como resultado de necessária negociação estratégica e cuidadosamente estruturada, demandando dos profissionais envolvidos elevada sensibilidade técnica e capacidade para antever cenários.

Neste contexto, não deve deixar de existir a correta noção dos acréscimos decorrentes e inerentes ao litígio, e, portanto, dos riscos decorrentes do tempo de tramitação da disputa. Geralmente, tal aspecto deve ser considerado por todas as partes em qualquer litígio. Assim também pela Administração Pública diante de uma controvérsia contratual e potencial litígio, haja vista os imperativos presentes nos arts. 20 a 22 da LINDB, visando equilibrada consideração sobre as consequências práticas dos cenários possíveis e das modalidades alternativas de resolução e gestão dos riscos.

Fixadas tais premissas, uma vez instalada uma controvérsia com efeitos e contornos econômicos, qual deve ser o critério de aplicação de juros e correção monetária a ser considerado na aferição do risco econômico-financeiro pela Administração Pública, caso venha a ser impelida ao pagamento de determinada verba?

II – Juros e correção monetária contra a fazenda pública

A incidência de juros de mora e atualização monetária contra a Fazenda Pública encontram-se atualmente disciplinadas pela EC 113, de 9/12/21, que fixou a utilização da taxa Selic independentemente da natureza da relação jurídica decidida.

O art. 3º da EC 113/21 assim dispõe: “Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente”.

No entanto, para os períodos anteriores à vigência da referida norma, deve ser observado o disposto nos Temas 8101, 1.1702, 1.3613 do STF e no Tema 9054 do STJ. Ainda nesta hipótese, além do critério temporal, também deve ser levado em consideração o tipo de condenação, pois antes da EC 113 havia critérios e normas distintas para questões tributárias e não tributárias.

Por certo que, em atenção à delimitação do tema do presente trabalho, tratando apenas de questões relativas à “direitos patrimoniais disponíveis”, em controvérsias envolvendo a Administração Pública (relação jurídica não tributária), que envolvam períodos anteriores a dezembro de 2021, não são aplicáveis os critérios utilizados em condenações de natureza tributária, relativas à remuneração de servidores públicos, de natureza previdenciária ou atinentes a desapropriações.

Fixadas tais premissas, em resumo, tem-se que até a edição da EC 113/21 (até novembro/2021), em condenações de cunho não tributário, devem ser observados os seguintes critérios:

  1. Até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001;
  2. No período posterior à vigência do CC/02 e anterior à vigência da lei 11.960/09: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice;
  3. Período posterior à vigência da lei 11.960/09: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

A partir de dezembro/2021, levando em consideração a norma atualmente vigente e disposta no art. 3º da EC 113/21, deve ser observada a Selic como taxa de atualização monetária e de juros de mora em todas as condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente da natureza da controvérsia envolvida.

III – A Selic como taxa legal

As razões que justificam o uso da Selic de forma isolada como sendo a taxa legal aplicável tanto para atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora encontram-se didaticamente resumidas na seguinte ementa de julgamento:

“4. A Taxa SELIC tem por finalidade a recomposição do poder aquisitivo da moeda, funcionando como mecanismo de correção monetária, bem como de remuneração do capital, assumindo feição de juros de mora, circunstância que torna incabível a sua incidência de forma cumulada com juros moratórios.” (TJDFT, Acórdão 1735029, autos nº 07059558120198070018, relator: CARMEN BITTENCOURT, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 25/7/2023, publicado no DJE: 8/8/2023)

Paralelamente, importa informar que o uso da Selic também é preconizado nas relações privadas em que não haja prévia estipulação consensual, conforme art. 406 do CC, com redação dada pela lei 14.905/24.

Neste tocante, mesmo antes da edição da referida lei, o STJ já tinha precedentes determinando o uso da Selic em relações privadas quando não havia determinação de índices específicos (REsp 1.795.982), razão pela qual a 4ª turma do STJ, no julgamento do AREsp 2.059.743 recentemente decidiu que se aplica a Selic em relações privadas mesmo quando as obrigações tiverem sido constituídas antes da lei 14.905/24 e não houver prévia e válida fixação de juros de mora e/ou de atualização monetária.

Referido julgamento ainda ponderou que, caso exista previsão de algum índice a título de correção monetária, no período em que for aplicável, a Selic deve ser aplicada com dedução da atualização monetária (art. 406, § 1º do CC).

Portanto, não resta dúvida que obrigações de pagamento devidas pela Administração Pública em decorrência de decisões, inclusive arbitrais, proferidas após dezembro de 2021, deverão ser atualizadas pela Selic, sendo que em períodos anteriores deverão ser observados os critérios pacificados pelo STF e STJ.

IV – Conclusão

A noção dos acréscimos financeiros inerentes a um litígio e, portanto, dos riscos decorrentes do tempo de tramitação da disputa, devem ser considerados por todas as partes em qualquer litígio, o que, por si só, impõe à Administração Pública o dever de analisar  a conveniência e oportunidade de implementação de mecanismos alternativos e mais céleres de solução de controvérsias, dentre eles e em primeiro lugar o desfecho consensual, que pode ser implementado até mesmo no curso de outras modalidades de resolução de disputas, tais como arbitragens e processos judiciais, por exemplo.

Os aspectos econômico-financeiros associados à incidência de juros e correção monetária devem ser especialmente considerados pela Administração Pública, visando evitar acréscimos desnecessários, em prejuízo aos cofres públicos e às gestões futuras.

Para tanto, é exigido dos profissionais envolvidos acurada noção de eficiência administrativa e equilibrada ponderação do interesse público face aos riscos do litígio e de suas consequências práticas, ante ao teor do art. 20 da LINDB, o qual com ênfase destaca a necessidade de serem avaliadas “possíveis alternativas”.

Tal comando legal, associado às previsões legais, de observância compulsória e inafastável em contratos administrativos, relativas à adoção de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem, constituem dever de diligência e consideração obrigatória de todo agente público competente para a correta e eficiente tomada de decisão.

É recomendável que a Administração Pública invista na capacitação e esclarecimento de seus agentes quanto aos meios alternativos de solução controvérsias, especialmente a conciliação, bem como quanto à identificação dos acréscimos econômico-financeiros decorrentes da falta de correção na tomada de decisão na gestão de contratos administrativos.

________________________

1 Tema 810 de Repercussão Geral do STF: 1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. (destaques desta transcrição)

2 Tema 1170 de Repercussão Geral do STF: É aplicável às condenações da Fazenda Pública envolvendo relações jurídicas não tributárias o índice de juros moratórios estabelecido no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação dada pela Lei n. 11.960/2009, a partir da vigência da referida legislação, mesmo havendo previsão diversa em título executivo judicial transitado em julgado. (destaques desta transcrição)

3 Tema 1361 de Repercussão Geral do STF: O trânsito em julgado de decisão de mérito com previsão de índice específico de juros ou de correção monetária não impede a incidência de legislação ou entendimento jurisprudencial do STF supervenientes, nos termos do Tema 1.170/RG.

4 STJ, Tema Repetitivo 905: 1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza.

2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária.

3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.

3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.

As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

 

Fonte: www.migalhas.com.br, acesso 22/08/2025.

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